Nas ultimas semanas, tenho recebido mensagens de várias pessoas que acompanham o blog. Muitas delas me perguntam como podem melhorar seus estilos de luta e como deixar seu estilo mais aguerrido para o combate, pois percebem nessas postagens aqui do Blog - segundo elas mesmas - ''uma visão mais realista,mais crítica e menos fantasiosa sobre a arte'',neste caso específico, o wing chun. Como sou sempre propenso á tratar bem os amigos leitores e sempre responder, na medida em que meu parco conhecimento permite, e devido á uma tácita falta de tempo para as postagens,achei melhor separar alguns textos dos amigos leitores e fazer uma postagem (originalmente seria apenas uma postagem, mas como pode ficar imenso,melhor dividir em duas partes) sobre esses ''papos informais''.
Primeiro de tudo, é bom reafirmar que apesar de eu escrever aqui neste blog e ter tido meu primeiro contato com kung fu ainda na adolescência,nos distantes finais dos anos 90, ainda assim, sou um iniciante e sendo assim, não posso de forma nenhuma, falar em nome de minha família wing chun. De fato, existem pessoas bem mais capacitadas pra isso. No entanto, acho que posso dar ao menos uma pequena opinião, sob a luz do entendimento de um praticante sério,que estuda seriamente sua arte com um legítimo Si Fu,um dos primeiros ocidentais na linha direta de transmissão do sistema Wing Chun. Apreciaria receber qualquer correção dos meus sênior's, de meu Si Fu e de qualquer amigo leitor mais experiente no wing chun e no kung fu em geral, pois isso abriria o leque de discussões,se for o caso.
Sendo assim, acredito que 'arte marcial', sendo como tal ''arte'', é algo abstrato. Ou você entende, ou não entende. Sem meios termos.Um determinado tipo de conhecimento não vai substituir a falta de outro,por que cada arte marcial tem seu próprio método de extração e geração de forças,sistematização, enfoque, influência cultural, influências de região,história, etc, etc..... As pessoas sempre procuram de alguma forma, mitificar a sabedoria marcial oriental e ignoram o fato de que nem tudo funciona desse jeito e que as coisas são bem mais simples.
Quando alguém se diz praticante de determinado estilo,sem nunca ter tido contato com algum mestre qualificado,ou que nunca tenha treinado com alguém que comprovadamente foi discípulo de algum Si Fu de fato,já fica claro o seu conhecimento superficial - na melhor das hipóteses - sobre arte de luta. Isso porque por mais abstrato que seja, e por mais que seja apregoado aos quatro ventos que arte de luta é baseada em ''expressão pessoal'', uma ''expressão pessoal'', não é formada sozinha,ao menos não num primeiro momento.
Então é preciso antes de tudo -respondendo ao amigo leitor, ''como posso deixar minha arte mais porradeira?'' - conhecer o próprio estilo, antes de mais nada. Você não conseguirá,sem um acompanhamento adequado, entender como funciona o estilo,quais suas premissas básicas,seus prós,contras, sistematização, etc, etc,até ter uma expressão mais própria. Até lá, no máximo o que você obterá é um vislumbre do que determinado estilo pode ser ou não. Me usando como exemplo, posso dizer que meu foco principal hoje, é compreender a sistematização do wing chun. Tenho praticado arduamente a ''base'' do segundo nível do sistema (Chum Kiu), da forma como Si Fu tem me passado,com o enfoque de que, somente após ter compreendido determinados movimentos, é que tenho de fazer deles algo aplicável, vivenciando todo o processo de descoberta, de erros e acertos, de frustrações e sucessos nas aplicações em luta solta, em exercícios,etc, etc,compreendendo seus conceitos.
Mas isso não quer dizer que de vez em quando,eu não faça um treino 'mais solto'' visando possibilidades e insights das técnicas aprendidas e habilidades especificas, só que isso tem um porém; é feito quase que como recreação - na falta de um termo melhor - porque meu foco não é esse. Se por outro lado, eu não tiver essa consciência e a orientação do Si Fu, de nada valerá o tempo despendido no treino formal. As informações estão aí, mas compreendê-las, é mais complexo.Transformá-las em ação, mais difícil ainda! Por isso o wing chun se torna extremamente difícil de ser transmitido e pelo mesmo motivo, não é bom ''saltar'' fases de treinamento..
Desta maneira, acredito que qualquer estilo,somente quando treinado com um foco bem direcionado, com um objetivo proposto e com a supervisão de um mestre qualificado - para supervisionar,com exemplos práticos, e auxiliar para que você possa entender os mecanismos utilizados no estilo, suas falhas e potencialidades,etc etc - pode ser aplicável em combate. Muito embora, não existem fórmulas que possam abranger todas as situações de luta. O treino bem direcionado e bem supervisionado vai fazer seu modo de lutar cada vez mais efetivo.
Um outro amigo leitor, perguntou-me se eu treinava muito no boneco de madeira...dizendo que o boneco de madeira era A BASE DO SISTEMA WING CHUN.
Bem, minha resposta não o agradou, pela forma como o papo foi encerrado. Muito embora eu não esteja vivenciando essa fase de treinamento do sistema, como sempre converso muito com meus Si-Hings e com Si Fu, talvez eu não esteja tão errado no que penso sobre o treinamento no Muk Yan Jong....
Respondia eu pro amigo leitor que, eu não treinava no boneco de madeira, porque,além de não estar nessa fase de treinamento do sistema, preferia treinar com um parceiro de treino que atacasse realmente.O Boneco continua sendo um 'pedaço de madeira inerte', nesse sentido. Mais do que isso, treinar no boneco de madeira não vai trazer uma habilidade á mais,ou deixar mais rápido,ou mais ''mais''...
De fato, existe muita fantasia em torno do treinamento no Muk Yan Jong. È quase um fetiche pra maioria dos artistas marciais mais desinformados,treinar espancando o boneco de madeira numa velocidade imensa, achando que isso vai trazer um insight divino á ponto de resolver todos os problemas da luta....não, não vai, sinto muito! Treinar no boneco de madeira sem entender a sua natureza e finalidade, é pura perda de tempo. Ele teria mais utilidade se fosse usado como cabide de roupas...
Conversando outro dia com meu Si-Hing Lucas, falávamos sobre essa fase do treinamento do sistema wing chun e uma analogia bastante interessante foi posta; imagine uma máquina de datilografia, dessas antigas...quer dizer, não tão antigas assim...(risos). Você vai usar a máquina de datilografia para digitar seus textos, masa máquina não vai trazer mais conhecimento da língua portuguesa pra você. Ela vai servir pra deixar o texto mais compreensível esteticamente. Com o boneco de madeira acontece algo parecido; ele vai refinar os movimentos que você já conhece das fases anteriores,melhorando ângulos, encaixes, footwork, tudo visto anteriormente. Conhecer a forma, não significa compreender a aplicação das técnicas em luta solta, assim como acontece com Siu Nim Tau, Chum Kiu ou Biu Gee, é preciso compreender como extrair da forma,os elementos técnicos que irão dar origem muitas vezes á uma única técnica. Aplicá-las, vai exigir um outro enfoque. Compreender,por sí só, também não adianta muito. Mais ou menos como um ''Lego'', esses brinquedos de montar,sabe? Na caixa, vem desenhado um modelo de um castelo de Lego, mas isso não quer dizer que você não possa montar um outro castelo de outra forma, contanto que respeite os encaixes das peças, compreende? È preciso ''sair para a prática''. Buscar experiências em lutas, em sparrings, sabendo que o importante, não é vencer ou perder um embate. Mas se você consegue ou não aplicar a técnica que tanto treina. Isso vale mais que qualquer vitória, até!
De forma que a ''base'' do sistema está em primeiro, compreender e vivenciar as fases anteriores ao Muk Yan Jong...ou do contrário, sua máquina de escrever não vai servir pra absolutamente nada.
Por enquanto é isso pessoal,nos próximos dias, posto a segunda parte das respostas ao amigos leitores.
Se you later.
Dido
discípulo privativo do Si Fu Marcos de Abreu
Mais um belo artigo, sihing. As suas analogias estão cada vez melhores, a maquina de escrever e o lego já entraram na minha lista quando tiver que passar algo mais teórico dentro do meu pequeno conhecimento.
ResponderExcluirGrande abraço