domingo, 11 de maio de 2014

Especial entrevistas: Si Fu Leo Imamura




Neste mês, o especial entrevistas do Blog do Dido volta com força total em uma entrevista surpresa com um nome de peso dentro do Wing Chun (Ving Tsun) em escala mundial: Si Fu Leo Imamura.

Nascido em 1963, Si Fu Leo Imamura iniciou seus estudos de Wing Chun no Brasil em 1979. Tornou-se discípulo do Grão Mestre Moy Yat em 1988 e desde então, tem vivenciado esta arte marcial no mais amplo sentido da palavra. Atual Lider do Clã Moy Yat Sang, Si Fu Leo Imamura é referência para boa parte dos praticantes de Wing Chun no Brasil vindos da década de 80/90 e mesmo para a geração atual. Seu vasto conhecimento o tornou uma pessoa diferenciada no circulo marcial tanto no Brasil quanto em vários outros países. Atualmente, Si Fu Leo Imamura, juntamente com sua esposa, Vanise Imamura, lidera a Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence, pela incumbência que lhe foi dada pelo Grão Mestre Moy Yat para que se desenvolvesse uma ferramenta que possibilitasse a salvaguarda do Sistema Wing Chun, dentro das demandas do Século XXI. Uma curiosidade: Si Fu Leo Imamura é irmão do famoso ilusionista Issao Imamura,de quem sou grande fã (risos).

Esta entrevista aconteceu de forma muito espontânea e de certa forma, fugindo da maneira como se vinha fazendo as entrevistas no Blog do Dido. Quem já tem um olhar aguçado, pôde perceber nas entrevistas anteriores que, em cada entrevista, faço apenas oito perguntas (por ser um número cabalístico chinês, presente em vários aspectos do Sistema Wing Chun tais como ‘faca de oito cortes, oito chutes, etc...etc...). Dessa vez, não aconteceu assim. A ‘’entrevista’’ aconteceu durante algumas horas de papo informal dentro do inbox via facebook por sugestão do próprio Si Fu Leo Imamura, o que deixou a conversa muito mais fluida e natural. Procurei abordar algumas questões para que as pessoas pudessem entender melhor sobre como é conduzido o trabalho dentro da Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence, principalmente no que se refere à inteligência marcial. Espero sinceramente que os nossos amigos leitores apreciem a entrevista.

Blog do Dido;  Como surgiu o interesse pelo Ving Tsun? Como foi o primeiro contato e quando o sr. iniciou de fato os treinamentos?

Leo Imamura
Meu interesse por Ving Tsun surgiu com meu contato com Bruce Lee. Honestamente, não tinha interesse no Kung Fu em geral, apenas o Ving Tsun me interessava. Sua simplicidade e praticidade me atraiam. Iniciei meus estudos de Ving Tsun em 1979.


Blog do Dido;  Nessa época era dificil encontrar mestres de Wing Chun no Brasil ? Como o senhor encontrou seu primeiro Si Fu?

Leo Imamura
Era muito difícil. Foi o Grão-Mestre Li Wing Kay que me apresentou ao meu primeiro si fu, seu irmão, Grão-Mestre Li Hon Ki, a quem respeitosamente chamava de Mestre Kay..


Blog do Dido; Como foi a ocasião em que o sr. conheceu Grão Mestre Moy Yat?

Leo Imamura
Graças a uma viagem que fizemos Grão-Mestre Li e eu para China e passamos em New York antes para visitar o irmão mais velho deles, Albert Lee. Sr. Albert foi meu gai siu yan (apresentador formal) junto à Família Moy Yat. Isso foi em 1987. Como dá para perceber devo muito à Familia Li (Lee). Os três irmãos tiveram importantes papeis na minha vida.


Blog do Dido; E qual foi sua primeira impressão ao encontrar o Grão Mestre Moy Yat?

Leo Imamura

Uma pessoa muito distinta das pessoas que conhecia no mundo do Kung Fu. Não parecia um lutador. Tinha uma fala tranquila e gestos gentis. Fiquei muito impressionado pelo fato de identificar os 3 instrutores de Mestre Kay apenas observando meu Siu Nim Tau, a primeira forma do Sistema Ving Tsun.



Blog do Dido; Como era praticar sob sua supervisão direta?Quais os pontos que o sr. poderia destacar na transmissão do Sistema Wing Chun através do Grão Mestre Moy Yat?

Leo Imamura

A Vida Kung Fu. Não havia aulas. Não tinha nada disso que eu estava acostumado aqui...ginástica...hora para começar,  hora para acabar, aplicações, exercícios...
O momento oportuno era muito mais valorizado que o momento programado. Assim, nós aprendíamos quando estávamos preparados para aprender e não quando o mestre simplesmente acha que tem que ensinar.


Blog do Dido: Então era um aprendizado ''full time'', certo?

Leo Imamura ; Certo. Nos primeiros 3 anos dormi no próprio mo gun (recinto marcial). Depois passei a dormir na residência de GM Moy Yat. Full time que quero dizer são uma média 16 horas por dia... Mas não de treinamento e sim de Vida Kung Fu.


Blog do Dido; È bem conhecida uma história em que o sr. teria aprendido os princípios e os conceitos do biu ji na cozinha do Grão mestre Moy Yat, ...como foi essa ocasião?


Leo Imamura
Não me lembro disso... Quem te disse esta história?
 
Blog do Dido: eu li em algum lugar...

Leo Imamura

Lembro que tive acesso ao Biu Ji na casa de Grão-Mestre Moy Yat, mas foi na sala de estar. Seu filho, Mestre William Moy apresentou-me a listagem e ele acompanhou o processo sentado no sofá da sala. Recordo que foi a primeira vez que ele me convidou para jantar na casa dele, mas ainda não foi daquela vez que meu si fu me convidou para dormir na casa dele.


Blog do Dido ; Mestre,dentro desse processo vivencial do Wing Chun, como essa forma tradicional de transmissão foi sendo introduzida no Brasil? Teve grandes dificuldades com relação as questões do pensamento ocidental versus o pensamento oriental?


Leo Imamura

Tivemos muita dificuldade! Nos anos 1980, as pessoas em geral não compreendiam como era possível aprender sem treinar, sem aprender técnicas, sem fazer uso de aplicações para ser eficaz. Após mais de 25 anos é possível ver algum resultado daquilo que as pessoas chamam de “forma tradicional de transmissão” através de destacados discípulos de nossa família. Mestres como Anderson Maia(MG), Nataniel Rosa (DF), Julio Camacho (RJ), Fabio Matsushita (SP), Washington Fonseca (SP), Celso Grande (SP), Ricardo Queiroz (RJ) e tantos outros são referência de excelência do Ving Tsun no Brasil. A Mestra Ursula Lima (RJ) é uma referência internacional de representação feminina da nossa arte. Os Mestres Renato Almeida (EUA), Leandro Godoy (Argentina) e Marcelo Navarro (Espanha) são importantes expoentes de Ving Tsun em seus respectivos países. Mestre Fabio Gomes (RJ) é uma referência no trabalho com as Forças Especiais do Exército, Pacificadores da ONU, BOPE e outras tropas de elite. E com referência à sua última pergunta, tanto o Mestre Walter Correia (SP)  que tem feito este elo entre o pensamento ocidental e oriental, através da introdução oficial do Ving Tsun na Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo, o Mestre Felipe Soares que tem dedicado ao Ving Tsun Experience que é uma importante interface entre o mundo das Artes Marciais e a sociedade em geral, como o Mestre Leonardo Mordente que é autor de importantes obras para o esclarecimento desse tema, são relevantes exemplos de como é possível superar estas dificuldades.
  
Blog do Dido; O que o sr. poderia destacar como sendo o atributo mais importante para que o praticante tenha um bom entendimento da prática do Wing Chun?

Leo Imamura

O entendimento do que é Kung Fu.; Sendo o Ving Tsun um sistema de Kung Fu, o entendimento do que é Kung Fu e do que é um sistema é crucial. Dai vem o aforismo mais conhecido de Grão-Mestre Moy Yat que não canso de repetir: "Kung Fu sem sistema não é Kung Fu, Kung Fu que depende de um sistema não é bom Kung Fu".


Blog do Dido; E como se dá atualmente o trabalho desenvolvido pela Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence no Brasil no sentido da transmissão tradicional do Sistema Wing Chun?

Leo Imamura
Mas antes de prosseguir, gostaria de saber o que entende por transmissao tradicional para que eu possa ser mais preciso na resposta...

Blog do Dido; Quando me refiro a transmissão tradicional, eu digo da importância em transmitir os conceitos do sistema tais como foram transmitidos pelos antigos patriarcas, sem no entanto,deixar de dar relevância ao contexto atual, as mudanças de tempo, local e cultura que provavelmente também influenciam na transmissão do Sistema Wing Chun, então de como era o trabalho desenvolvido pela Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence no Brasil em no sentido de dar continuidade ao legado do Grão-Mestre Moy Yat.

Leo Imamura

O legado de Grão-Mestre Moy Yat pode ser manifestado através da Denominação Moy Yat Ving Tsun que é o compromisso de provimento progressivo da Vida Kung Fu aos seus descendentes no contexto do acesso ao Sistema Ving Tsun. Tal compromisso tem sido viabilizado através do Programa Moy Yat VIng Tsun de Inteligencia Marcial que é constituído por um conjunto de instrumentos estratégicos que são reconhecidos por cada líder de família do Clã Moy Yat. Estes instrumentos estratégicos atuam em 3 vetores estratégicos:
a. Quanto ao provimento progressivo da Vida Kung Fu (Sam Faat)
b. Quanto ao reconhecimento dos descendentes de Grão-Mestre Moy Yat
c. Quanto ao contexto do acesso ao Sistema Ving Tsun

Blog do Dido; Então existe todo um processo vivencial que visa preparar para que alguém se torne apto á futuramente salvaguardar o conhecimento do Sistema Wing Chun, caso queira ingressar no Clã Moy Yat Sang, por exemplo?

Leo Imamura
Sim. São 9 instrumentos estratégicos,3 para cada vetor .Cada um com uma característica própria.


Blog do Dido; mas isso diz respeito às fases do sistema em si?

Leo Imamura

Acredito que o que você chama de “fase”, nós chamamos de “domínio (ling wik)”. O Sistema Ving Tsun tem 6 domínios: Siu Nim Tau, Cham Kiu, Biu Ji, Mui Fa Jong , Luk Dim Bun Gwan e Baat Jaam Do. Para cada domínio do sistema existe um nível do programa (Básico, Intermediário, Avançado, Superior Inicial, Superior Medial e Superior Final) que é constituído de 9 instrumentos estratégicos.


Blog do Dido:  Por que esses instrumentos são chamados de estratégicos?


Leo Imamura

Por que eles não são instrumentos quaisquer. São instrumentos estrategicamente elaborados para contemplar cada vetor estratégico.

Blog do Dido:Digamos que para o acesso ao Siu Lin Tao (Siu Nim Tau)... Nos três pontos acima, saam fat, reconhecimento dos descendentes e acesso...

Leo Imamura

Como já havia dito, Siu Nim Tau é um dos ling wik (domínio) do Sistema Ving Tsun. Quando os instrumentos estratégicos do Programa Moy Yat Ving Tsun de Inteligência MarciaI são cumpridos para o Domínio Siu Nim Tau, temos o que chamamos de Nível Básico:
Quanto ao Provimento Progressivo da Vida Kung Fu os instrumentos estratégicos são:
1. Provimento Monitorado da Vida Kung Fu
2. Relato Pessoal de Vida Kung Fu do Si Fu com ênfase na natureza do Domínio Siu Nim Tau
3. Visita Oficial da Liderança do Clã Moy Yat Sang
Quanto ao Reconhecimento dos Descendentes de Grão-Mestre Moy Yat os instrumentos estratégicos são:
1. Cerimônia de Iniciação ao Sistema Ving Tsun
2. Estudo Genealógico de Nível Básico da Linhagem Moy Yat
3. Seminário de Tutorizacão do Ving Tsun Experience Nível 1

Por fim, no vetor estratégico “quanto ao contexto de acesso ao Sistema Ving Tsun”:
1. Momento Programado de Acesso ao Dominio Siu Nim Tau
2. Encontro sobre o Dominio Siu Nim Tau
3. Seminário de Introdução sobre o Processo de Titulação Tutorial da Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence


Blog do Dido; Em sua opinião, o porquê de existirem tantas linhagens de ving tsun , algumas tão semelhantes e outras tão discrepantes, mas muitas delas vindas de Yip Man? Por exemplo, quando vemos o Siu Nim Tao do Si Fu Chu Shong Ting; ele executa de uma forma. Quando vemos um outro Si Fu, por exemplo, Lo Man Kan, ele executa ligeiramente diferente e ainda o William Cheung faz o siu nim tao completamente diferente dos outros dois e todos eram discípulos de Yip Man...

Leo Imamura

Ah, isso é normal. Por que você acha que deveria ser igual. Cada pessoa tem o seu proprio kung fu...


Blog do Dido;Mas existe a lenda de que SiFu Yip Man ensinava de formas diferentes pra cada aluno....
não sei se isso teria embasamento,....

Leo Imamura
Uma coisa muito importante: o Patriarca Ip Man não ensinava a ninguém...Kung Fu... Simplesmente por que o Kung Fu só passivel de ser aprendido através do acesso ao sistema. Este acesso era particularizado de acordo com a circunstância que cada discípulo estava aprendendo. O que é normal na cultura chnesa. Não sei se isso que você quis dizer com "ensinar diferente", pois ainda não entendi bem sua pergunta. Por isso, permita-me fazer uma pergunta: você tem irmãos?


Blog do Dido; sim, tenho um irmão mais novo...

Ele é igual a você?


Blog do Dido; nenhum pouco...rsrs

Leo Imamura

Então gostaria de fazer uma pergunta; Porque vocês são tão diferentes se são filhos dos mesmos pais?
Mas existe uma lenda que os pais fazem filhos diferentes uns dos outros...já ouviu falar disso?


Blog do Dido; (risos) Não, não...

Leo Imamura

Pois é...esta pergunta faz sentido para vc?


Blog do Dido; agora, não....

Leo Imamura

Então porque pensa que seria diferente no Kung Fu? Daí você vê as discrepâncias da transmissão na China e aqui no Brasil. Temos expectativas distintas. O nosso entendimento sobre isso é muito discrepante. Por isso perguntei sobre o seu entendimento de ‘transmissão tradicional”. Quero deixar claro que discrepância não é algo ruim. Discrepância basicamente quer dizer  que há uma diferença entre um e outro. Não há nenhum problema nisso. Isso é normal.

Blog do Dido; Como o sr. vê a divulgação do Wing Chun pelas redes sociais aqui no Brasil? Elas são satisfatórias em relação à forma como se é divulgado o estilo,ou falta alguma coisa para melhorar?

Leo Imamura

Não posso dar uma opinião qualificada a respeito, pois acompanho muito pouco esses grupos virtuais, a não ser quando algum conhecido encaminha algum post para que eu possa tomar conhecimento. Mas pelo pouco que vi, percebo que as pessoas opinam de acordo com seu entendimento sobre o Sistema Ving Tsun. Acho que está bem assim ...uma rede social é um foro aberto, onde as pessoas falam o que pensam. Por isso, não posso fazer valor de juízo sobre a opinião das pessoas.

Blog do Dido; Bem, para finalizar a entrevista, gostaria que o sr. deixasse uma mensagem para os leitores,que sempre acompanham as entrevistas aqui no blog e alguns endereços para quem quiser agendar uma visita a alguns dos núcleos...


Leo Imamura: O caminho mais forte é aquele que acolhe o dos outros. Da mesma forma, a melhor interpretação sobre o Ving Tsun é aquela que assimila a dos demais. A diversidade é muito importante. Saber como torná-la uma vantagem estratégica é a arte do estrategista (portanto do praticante de kung fu também).

Obrigado pela oportunidade de expressar o que penso.

Contatos; http://www.myvt.org/

3 comentários:

  1. Grande mestre.
    Boa analogia ele fez para diferenciar as linhagens.

    Abraço Dido

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  2. Excelente. Grão Mestre Léo Imamura é uma celebridade no mndo do Ving Tsun. Tenho a honra de ser iniciado na arte com ele!

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    1. Olá Sibaak Márcio!!!
      Eu tenho uma identificação enorme com o Grão Mestre Leo, isso porque iniciei meus treinamentos de maneira não-formal nesta linhagem, com o hoje, SiFu Adilson, discípulo do Mestre Rogério Baeta. E naquele tempo ( por volta de 1998) meu então SiFu tinha muitas revistas e matérias sobre Wing Chun ( Ving Tsun) com o SiFu Leo e muitas vezes nos intervalos de algum exercício, eu parava para ler essas tais matérias, vislumbrando um dia, poder trocar uma idéia com ele.
      Algum tempo se passou e eu re-iniciei meus estudos, dessa vez como discípulo particular de meu atual SiFu,SiFu Marcos de Abreu (isso em setembro de 2011) seu irmão mais novo - salvo o engano - de kung fu, de maneira séria e levando isso para a vida. E descobri que da mesma forma que o Mestre Leo também aprendeu a arte de maneira muito próxima ao Grão Mestre Moy Yat, eu também venho aprendendo dessa mesma maneira.
      Tanto você, quanto meu primeiro professor, meu atual SiFu e o Grão Mestre Leo Imamura, pra mim, são grandes referências na excelência da transmissão e principalmente da vivência do Ving Tsun...

      Uma honra ler seu comentário aqui e espero um dia, entrevistá-lo.

      Um super abraço.

      Dido

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