domingo, 1 de setembro de 2013

Relembrando o passado e Kai Siu Yan - Aquele que indica

È engraçado quando você pára pra pensar que aquele amigo que você conversa eventualmente e que parece não ter mudado muito da época em que você conhecia pra cá, não é uma pessoa que você conheceu recentemente. Ainda mais quando essa amizade dura mais de uma década sem nenhum tipo de briga, discussão ou mesmo desentendimentos. Isso acontece sempre comigo quando vez por outra eu converso com o João Artur...


(João Artur aparece aqui praticando a primeira parte do Siu Nim Tao no parque da jaqueira)

Esses dias, tive a triste notícia do falecimento do seu pai, no qual eu também conhecia e fiquei realmente muito sentido. Na ocasião, comecei a lembrar de como tinha conhecido o Artur e o Seu Ezequiel e só então me dei conta do quanto tempo já fazia isso e dos acontecimentos que me levaram á praticar kung fu á sério e do papel do Artur nessa fase...


Em meados de 1995, eu não era o melhor dos alunos. Se você pensar que da primeira série primária até a 4º  série eu era um nerd - tirava em Português, Estudos Sociais, Matemática e Ciências sempre 10 em todas provas e testes, e tenho meu histórico escolar pra provar - foi uma grande ''queda de produção'' chegar á quinta série do antigo 2º grau, matando aula ao menos duas vezes na semana e tirando notas baixíssimas. Isso decorreu mais do meu interesse por aprender a lutar, por conta de uma baita surra que eu tinha levado num fliperama nas férias de meio daquele ano. Eu estava com a alto estima muito em baixa e só pensava em voltar ao Bairro do Jardim Paulista, onde moravam minhas tias e onde eu costumeiramente passava as férias,e que era onde existia o tal fliperama para encontrar o cara e devolver a surra que eu tinha levado.


                                     
            (João Artur desferindo um chute lateral, na garagem de casa em ocasião de sua visita á casa de meus pais)

Só que se eu fizesse isso, sem estar preparado antes, muito provavelmente aquela surra iria se repetir. Então decidi treinar alguma coisa. Visto que no meu caso específico, o Tae Kwon Do aprendido com meu pai, não deu lá muito certo pra utilizar naquela briga, porque o garoto era bem maior, mais rápido e encurtou a distância demais pra que eu pudesse usar algum chute e no máximo o que deu pra fazer foi ''fechar'' o rosto pro estrago não ficar pior, resolvi então que iria treinar alguma coisa por conta própria,sozinho e com os poucos recursos que eu tinha. De qualquer forma, com esse parâmetro, não dava muito pra ser um bom aluno na escola mesmo...

Então fui no decorrer do ano sendo trocado de turmas até que cai na sala, onde a galera ficava me encarando e encarando um carinha que sentava lá no fundo da sala...''Vocês são irmãos?'', era uma pergunta corriqueira que me faziam, porque eu e esse carinha, tínhamos o mesmo biotipo; Magrelos, branquelos e com cara de Nerd...rsrsrs. Lembro-me da primeira coisa que eu disse á ele sem nem mesmo dizer meu nome;

 - ''Todo mundo fica me perguntando se sou teu irmão...não me acho parecido com você!''

O que poderia ser interpretado como algo rude, foi respondido com uma risada. - ''Eu sou o Dido, como se chama?''
- ''João Artur...você também desenha é? Pô Legal''...Isto porque meu caderno velho vivia cheio de desenhos toscos que eu fazia , ele ele bem notou isso. - "È, eu gosto de desenhar, mas to interessado mais em aprender a dar porrada...fazer alguma arte marcial saca? Você gosta do Bruce Lee?''

- ''Ah claro, ele é demais cara! Vai lá em casa qualquer dia, eu tenho um quadro dele na sala de casa, bem legal!''


                             (Esse era um quadro gigante que eu tinha na sala de casa e que durou muito...rs)

          ( O quadro do Artur )

E assim, a gente foi firmando uma amizade numa boa. No dia em que fui ver o tal ''quadro do Bruce Lee'', conheci seus pais e irmã e desde lá a gente sempre se via na escola e tínhamos interesses em comum. Desenhos, música, lutas...

Durante os intervalos nas aulas, João Artur, Eu e mais um amigo chamado Elissandro, íamos pra quadra de futebol e lá , fazíamos luta entre nós três e não poucas vezes éramos chamados á direção da escola,porque outros caras chegavam querendo participar e acabava tudo em briga de verdade.


(Essa é a escola onde estudávamos e ali, embaixo daquela caixa dágua também rolavam as ''lutas'',que se tornavam brigas, as vezes...rs)

Até que um dia,em novembro de 1996 o Artur chega pra mim todo empolgado:

- ''Cara, me matriculei numa escola de Kung Fu!!!Você tem que ir ver!!

Claro, eu topei na hora!Já faziam alguns meses que eu vinha ''me preparando'' com aquelas práticas de combate com os caras na escola e vi ali uma oportunidade de aprender uma arte marcial que eu sempre quis fazer. Claro que pela ignorância de desconhecer sobre estilos, linhagens, famílias, não fazia ideia do que seria aquele Kung Fu que o Artur tava aprendendo...eu queria mais era ir lá treinar!

- ''Mas é num sábado á tarde e leva a tarde toda a aula, você vai poder?''
- ''Claro que sim cara!Vou só pedir permissão pros meus pais e te aviso na sexta-feria aqui na escola mesmo.''

Então no sábado marcado, fomos ás aulas e lá o Artur me apresentou aquele que seria meu primeiro Sifu.


Sebastião Cícero, mais conhecido como ""Zito'', foi aluno do Mestre Júlio Kushida no estilo Shao lin do Norte, sendo o Mestre Júlio, discípulo direto do mestre Chan Kwok Wai, uma autoridade do estilo no Brasil. Tinha cara de gente comum, desses que se você visse, não daria nada pelo sujeito, mas ainda é um grande professor....Os caras mais antigos vinham todos ainda da década de 90 na academia e a gente, meio que sem saber, estava formando o que era, digamos, uma ''nova turma'' que hoje em dia, poucos permaneceram treinando algum estilo de kung fu. Mestre Zito ainda leciona hoje em dia. Ele foi o cara que me ensinou as bases pra melhorar os chutes que eu tinha do TKD. Era um cara muito
'casca-grossa' e que treinava muito pesado. Lembro-me claramente da primeira aula de combate livre quando ele chegou em mim e disse;


- "Você tem de intimidar logo de cara!Feche a cara pro seu adversário!Mostre que você não está de brincadeira!Se ficar somente sério pra ele,mesmo que você seja bom e tenha confiança, ele cresce e te arrebenta!''  Ao lado, uma foto do mestre Júlio Kushida, já que é uma pena eu não ter uma foto com o Mestre Zito dessa época...                                                                       
Bem...

Alguns anos se passaram e eu nunca mais encontrei o cara do flíper. Mas em 1998, eu tinha quase dois anos de prática e me achava afoito o suficiente pra ir lutar com qualquer pessoa que viesse ''tirar uma onda''. Eu e o artur disputávamos entre nós pra ver quem aprendia mais Katis, quem era melhor de luta,tudo isso numa disputa muito saudável, onde um ajudava o outro e até ensinava um ao outro....isso até o dia em que um  amigo em comum falou pro Artur de um cara que estava ensinando outro estilo de Kung Fu ...um tal de ''Ving Tsun''...E ai, eu tendo pego o endereço com o próprio Artur, fui lá conferir pessoalmente e dando uma resumida, comecei a treinar o Wing chun com o hoje, Sifu Adilson.

Voltando aos dias de hoje, percebi que o João Artur, tem um papel fundamental pra que hoje, eu estivesse praticando com meu atual Sifu e dando continuidade aos meus treinamentos, pois se eu não tivesse passado por tudo aquilo e não o tivesse conhecido, provavelmente nem estaria hoje escrevendo sobre wing chun.

Posso dizer que naquela época e de certa forma, ele foi meu Kai Siu Yan.


(Meu sobrinho, Artur e Eu, fazendo arruaça na garagem de casa)

Kai Siu Yan - Em dialeto cantonês; Aquele que indica, ou apresenta, é a pessoa que apresenta o pretenso praticante de kung fu ao Sifu. Na maioria dos casos, o Kay Siu Yan também é um aluno da pessoa que virá a ser o seu Sifu e este acompanha a sua prática, sempre lhe auxiliando. Mas pode ser, em alguns casos, de fora da família.

Com meu Sifu atual, eu não tive uma pessoa como Kai Siu Yan de fato, já que fizemos contato por diretamente por outros meios. Engraçado pensar também que Yip Man, também não teve um Kai Siu Yan que fosse discípulo de Chan Wah Sun, mas isso devido ás circunstâncias históricas que o levaram a se tornar um Quan Moon Dai Gee de Chan Wah Sun.

(Nesta foto rara, Yip Man aparece ao Lado de Jau Ching Chuen,que foi o Kai siu Yan de seu próprio filho, Jau Gwong Yu,que foi discípulo de Yip Man ainda em Fo Shan)


Dentro da cultura e da tradição chinesa, para alguém aprender wing chun era necessário que conhecesse alguém que fizesse parte de uma família kung fu, ou o indicasse para um Sifu. Se o Sifu já estivesse ''aposentado'' e escolhesse não mais lecionar, era dito que ele tinha ''fechado as portas'', ou ''Quan Moon''. Mas em alguns casos, o Sifu mesmo tendo fechado as portas, tinha a prerrogativa de fazer uma exceção.Ao  Aceitar um discípulo após sua aposentadoria, este era chamado de Quan Moon Dai Gee, ou discípulo de portas fechadas.Exatamente o caso do Sijo Yip Man, mas ai já é outro termo...outra história....



Então, de certa forma, tenho muito o que agradecer ao João Artur por ter me indicado e de certa forma iniciado meus treinamentos no Kung Fu,mesmo que em outro estilo, mas que me levaram hoje á estar ainda hoje praticando e por sua amizade. Apesar de hoje, eu passar alguns conhecimentos sobre Wing Chun pra ele informalmente, ainda o considero como sendo mais velho que eu e espero que essa postagem seja uma pequena homenagem ao seu Pai, falecido na ultima terça-feira.


Até a Próxima.


Dido
discípulo privativo do Sifu Marcos Abreu.





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