sexta-feira, 25 de abril de 2014

O fator ''MEDO'' nos esportes de combate

Durante as sessões de wing chun aqui em Recife com meus parceiros de treino, muitas vezes ocorre de estarmos praticando repetidamente uma única técnica, várias e várias vezes. Não á toa, em algum dia mais inspirado, muitas vezes levamos um som - de preferência algum rock pesado, ou que ao menos tenham uma guitarra mais distorcida - para fazer do treinamento algo menos tedioso e mais divertido. O treinamento repetitivo -  e muitas vezes não menos enfadonho - tem um motivo de ser assim...

Durante semanas, muitas vezes fixamos somente uma técnica em específico e ''malhamos o pau'' nela. Como eu gosto de dizer, treinamos a ''Técnica do Dia''. Escolhemos uma técnica em particular, ou a que algum dos mais novos ainda estejam aprendendo a mecânica e  a treinamos. Treinamos de forma conceitual, depois repetimos mais e mais com o parceiro com luva de boxe e batendo pra valer. Depois repetimos mais algumas vezes ( á perder de vista na verdade) e depois, fazemos um sparring com ênfase na aplicação, ou fighting circle, ou mesmo sparring solto.


















                                              (Alguns dos Sons que rolam durante o treino...)

 Em alguns momentos, damos uma pausa rápida para tomar uma água e conversar sobre assuntos aleatórios, ou mesmo sobre o treino e a técnica do dia, de maneira mais relaxada e logo em seguida, voltamos á mesma pratica. De certa forma, é um pouco entediante repetir e repetir as técnicas semanas e semanas á fio,mas o resultado logo aparece. De vez em quando, uma coisa bem interessante acontece..... quando partimos para a aplicação da técnica solta, eu escuto de algum parceiro de treino algo como ; - ''Ah bicho, eu tô com medo de machucar meu parceiro de treino...'' ou '' Estou com medo de me machucar...'' o que eu sempre repreendo ao fim do treino...


( Fazendo o treino de Sparring solto para aplicação; Tentar relaxar e se divertir é fundamental...)

Mas, antes que alguém venha aqui e dispare uma saraivada de críticas ou tente nos nivelar á baixo, eu digo que esse sentimento,o medo, no inicio é bem natural e extremamente normal de aparecer. Talvez não apenas no inicio de algum treinamento de algum esporte, seja um esporte radical ou de combate,mas mesmo durante eventos competitivos com atletas experientes, ou lutas em academias, ou naquele momento em que um saltador  precisa fazer um salto muito alto, ou por exemplo, a primeira vez de um jogador de futebol profissional ao entrar no maracanã lotado...é muitíssimo normal sentir medo...impossível não lembrar aquele famoso jargão popular, 'quem tem c* tem medo'. A grande questão é saber como dosar isso na medida certa e o que fazer para que não se subestime ou se superestime o medo.

Em alguns artigos sobre o tema, o medo é definido como ''uma sensação que proporciona um estado de alerta demonstrado pelo receio de se fazer alguma coisa, geralmente por se sentir ameaçado, tanto fisicamente, quanto psicologicamente.'' Em se tratando de esportes de luta, um atleta , mesmo que bem preparado, vai encontrar algum tipo de medo, em um nível maior ou menor, seja ansiedade, seja apreensão e nem sempre esse medo tem a ver com o treinamento em sí. Muitos atletas de alto rendimento, treinam muitas horas por dia,mas, em um determinado dia, algum nível de insegurança, medo ou apreensão pode aparecer e não é algo incomum... Estar frente á frente com alguém que está disposto á te acertar, ou com o mesmo objetivo e determinação que você, nem sempre é tarefa fácil e o medo na maioria das vezes é mais interior do que exterior. E esse é apenas um dos inúmeros fatores que acompanham o atleta de esportes de luta....

Muitas vezes superestimamos o receio que temos, quando calçamos as luvas de boxe antes de um combate,ou um sparring,por exemplo. Damos importância exagerada ao ''vencer'', ao ''provar que estamos aptos'', ou ''não decepcionar seu treinador, seu mestre, ou seu 'corner' '' e tentamos afastar esse medo. Só que muitas vezes, tentar afastar o medo faz justamente o efeito contrário, só o aumenta. È preciso entender que o medo é um sentimento natural ,pra poder fazer dele , uma ferramente útil para nós. Obviamente o atleta deve estar bem treinado. O treinamento quando bem direcionado é peça fundamental para o desempenho e performance do atleta. Não dá pra dissociar uma coisa da outra. Bons resultados são o fruto do empenho do atleta em seu treinamento. Quanto mais duro se treina, mais fácil são os resultados á serem obtidos.






Quando estamos entre amigos, muitas vezes existe uma 'facilitação'. Deixamos de socar em linha reta, ou soltamos aquele chute sem muita vontade, ou fazemos um movimento ofensivo e não nos movimentamos em seguida, para que o partner aplique sua técnica. Podemos pensar que isso pode ajudar, quando na verdade, atrapalha e muito! Se um parceiro de treino seu tiver receio de lhe socar, seu movimento (que supostamente é o que deve ser treinado) carecerá de realismo e estará condicionado á funcionar somente se o partner facilitar, o que não acontece de jeito nenhum com um oponente de fato. Por isso, a camaradagem no treino deve ser posta de lado sempre. Acredite; as porradas vão ajudar bem mais a sua evolução do que um treino mole com camaradagem. O treino fica fraco, coisa que não pode acontecer.


Quando treinamos duro, e nosso parceiro não facilita a nossa vida, temos muito mais chances de sermos bem sucedidos á medida em que nos empenhamos de fato no que estamos treinando. Você poderá ser atingido sim, mas se você começa a repetir a técnica e sabe que sua cobertura,bloqueio, esquiva, etc, será realizada,sabendo como deve ser feita, você começa a superar certos receios.Depois de um tempo, não precisará combinar timming de técnica e sua técnica vai começar a fluir.A progressão de treinos assim vai fazer com que o praticante relaxe mentalmente cada vez mais e passe a confiar naquilo que está fazendo.  E o que eu tenho percebido nesses treinos aqui com meus companheiros de wing chun  é que; quanto mais relaxado o praticante de artes marciais em geral estiver, menos tenso, nervoso, ou com medo, ele ficará. Seja antes ou depois de um embate, não importa, é importantíssimo estar relaxado.Lembro-me claramente dos ditos que meu Si-Hing João Gilberto -  um cara experientíssimo em combates de ambientes competitivos - me apontava na questão da ''atitude mental'' que devemos ter durante uma luta.


Esse ''estar relaxado'' não significa , ''não ter medo'', mas estar pronto! Afinal, somos todos humanos, mas fazer com que esse medo não tome o espaço de outros sentimentos como determinação, vontade, auto-confiança...não, ninguém disse que isso seria tarefa fácil...O problema não é o sentir medo. È em que nível esse medo existe no atleta ou no praticante de artes marciais. Deixar o medo tomar conta, vai fazer com que a aflição e o nervosismo tirem a concentração e o foco, fazendo com que outras reações - que não as assertivas -  fiquem aparentes. Quando o praticante 'relaxa', na verdade, ele tira de sí a pressão auto-imposta ( o ''eu tenho que vencer'', ou ''eu não vou apanhar'', ''eu tenho que aplicar '' etc, etc...), os receios das frustrações que podem vir, ou o medo de se machucar começam a diminuir e o atleta  passa á outro estado emocional; o da auto-confiança. È normal sentir frustração com a técnica, com a derrota, ou quando não conseguimos fazer aquilo que queremos, da mesma forma que é bem normal sentirmos alegria quando uma performance sai exatamente como queremos, quando acertamos uma técnica ou chegamos num ponto onde desejamos estar. È exatamente a forma como administramos esses sentimentos bons e ruins que podem nos ditar como seremos como praticantes, atletas e até como pessoas.

Quem não lembra da clássica cena do Filme Wheels ons Meals - um dos meus filmes favoritos -  onde Jackie Chan enfrenta o boxeador profissional Benny ''The Jet''?  Somente quando ele toma a atitude mental correta, ele começa a superar seu oponente...Uma cena clássica que se olhada com cuidado, pode ensinar muito!!!Tanto que já foi mencionada aqui no blog em ocasião anterior...




 Sitaaigung Duncan Leung tem uma frase que eu acho das mais valiosas dentro do treinamento do wing chun; - '' Lutar é um jogo, divirta-se...''. Vencer o próprio medo é a mais dura lição que se pode aprender nas artes marciais. E é pra isso que serve o treinamento. No início dessa postagem eu mencionei que o treinamento repetitivo tem um motivo pra ser assim.... Particularmente, no wing chun as técnicas devem ser repetidas várias e várias vezes, á fio , para que ela ''entre'' em seu sistema nervoso e se torne sua reação natural. A técnica se torna parte do que você é. Você não pensa, não premedita. Apenas sente o momento e quando perceber, terá feito!Não terá tempo de pensar.  E é isso, que vai fazer você ter a auto-confiança necessária para dar o primeiro passo para vencer seu medo interior.

Por isso, só há um meio de se vencer o medo interior... treinando!





























 (Post dedicado á Ialley Lopes, José Júnior, Elijah Junno e Ernani Barbosa)

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