Anyway...Fico na minha e acostumado aos olhares de pessoas quando faço esses treinos abertos, sigo fazendo o meu treino.Ainda tenho que esperar meu irmão vir do trabalho para acertarmos uma negociação que decorreu lenta durante a semana e bem, quando ele chegar, vai me encontrar bem cansado. O treino tá seguindo bem, é o que importa...
De qualquer forma, ao mesmo tempo em que estou me movendo, vou filtrando a movimentação que ocorre em todo o arredor da praça. Desde que escapei de um incidente num restaurante com minha esposa há alguns meses atrás, aprendi a não ficar marcando touca e já se tornou hábito estar conversando com alguém e observando tudo ao de redor, não importa onde esteja. Não estou desconcentrado do que estou treinando, mas destarte alguns usuários de cannabis que passam o dia inteiro procastinando, a movimentação da academia da cidade e os transeuntes que vez por outra param pra tentar entender o que estamos treinando - afinal, que raios de movimentos esquisitos esses caras estão treinando? - os caras que estão chegando, rindo, falando alto, começam a se organizar para começar alguma atividade.
- ''Deve ser algum Chute boxe de manopla da vida''....Penso quase sem tempo de usar Lan Gurk ( barrar com a perna) pra fechar o pesado chute circular que meu aluno Eduardo me manda bem na cabeça; Apesar de baixinho, ele aprendeu a chutar alto...e forte - '' Com mil diabos, esse nanico quase me acertou''...Mas não, não dessa vez parceiro!
Um dos caras fala mais alto que os demais. È o líder, obviamente. O cara joga uma das mochilas no chão gramado da praça e falando sobre o que me parece ser sobre aspectos de defesa pessoal, vai procurando seus objetos. Não dou tanta atenção a isso. Afinal, além de tudo o que aprendi com meu SiFu sobre o tema, não tenho tanto interesse e naquele momento, estávamos nos aprontando para fazer um boxe - no sentido de focar nas técnicas de mãos - eu deveria era ter cuidado com os golpes que vão vir em cima de mim nesse treino...
O cara tira da bolsa um simulacro de arma de fogo ( daqueles modelos de arma calibre ponto 40 de uso exclusivo da polícia) e dois simulacros de facas com ''lâminas'' de mais de 30 centímetros e continua o falatório em meio a risos. È uma turma entrosada pelo visto. 5 ou seis pessoas, mais ou menos, duas mulheres, uma acompanhada do provável filho adolescente, julgo. Enquanto vou me virando com técnicas combinadas como Gip Sau/Siu Kwan Sau, vou usando meu footwork para ficar numa posição melhor onde eu possa dificultar o ângulo para meu partner - que continua me atacando - , quanto para observar melhor o que estão fazendo. Ainda tenho dois rounds pra fazer; - '' Oh céus...Deveria fazer ao menos mais dois extras...Merda, eu devo é focar mais atenção aqui! '' Penso.
Numa das pausas entre um round e outro, paro para observar o que os caras estão fazendo. Ninguém se incomoda na verdade de observar esses treinos abertos, contanto que se tenha uma certa distância e não atrapalhe. Vejo o professor sendo agarrado pelas costas por um dos caras que usa uma gravata com a mão esquerda para prender seu pescoço enquanto a mão direita repousa o simulacro de arma de fogo contra sua cabeça. O segundo atacante está de frente pra ele, segurando uma das facas com a mão direita, hesitando avançar. Enquanto isso, o defensor está dando ordens e explicando o que ele faria nesse tipo de situação, tentando explicar a psiquê comportamental dos agressores; Parece uma situação bem difícil para ele...
Quando o professor dá o sinal com um grito de ''Go!'', os atacantes avançam. Antes de qualquer coisa, ele consegue sair da posição em que está com um movimento bastante estravagante, prendendo o braço direito do primeiro agressor,que estava com a arma de fogo, enquanto o segundo, ainda hesitante, dá um passo para frente e dois para trás; Sim, o professor conta que seus movimentos ferozes contra o primeiro agressor possam impressionar o segundo cara e lhe dar tempo suficiente para se reposicionar. Mas antes disso, ele consegue tirar a arma da mão do opoente e fugir pelo seu flanco direito, posicionando a arma - agora em sua posse - posicionada de forma invertida. O cara com a faca avança e ai, com um grito de - ; ''Sai, sai, sai'' , ele simula quatro disparos. Dois em cada agressor. Segue a explicação do professor, em voz alta, claro...
- ''Acabou ai rapazes! Isso é o que vocês tem de fazer numa situação dessas. E tem de agir rápido! Se ficar pensando muito e não encaixar a chave como tem de ser, vocês vão morrer!'È preferível matar que morrer!'
- '' Mas que porra...Eles vão morrer antes disso...'' Penso comigo mesmo...Continuo tomando minha água e o intervalo do round tá quase acabando...
- ''A vida é diferente da competição senhores! Não há segunda chance na vida! Vejam...Ele pôs a arma na minha cabeça e eu fui negociando, tateando o tempo certo pra agir...até que ...boommm, agi e ja era!''
Observando tudo isso, não tenho como não me lembrar de meu Si-Hing Eduardo e da perda que tivemos em nossa escola há alguns anos atrás e do quanto isso bateu forte em SiFu e em todos nós. Eduardo que pelo que me consta e salvo o engano, chegou no mesmo dia em que fui pela primeira vez a Salvador e era um cara excelente! Adorava papear com ele quando podíamos. Bem, não vou esmiuçar tudo aqui outra vez porque seria por demais doloroso...Mas fico realmente down com isso.
Fico mais impressionado ainda o quanto a fantasia, o non sense e todas essas bobagens estão inseridas no meio marcial e o quanto isto VENDE muito! Vou pros dois rounds extras e quando meu irmão chega, tento me virar contra uma combinação de Jab, finta, Jab, cruzado e direto que meu partner me manda na intenção de quebrar meu ritmo e pegar meu tempo no contra-pé. Oras, saio pelos flancos e solto um primeiro Pak Da mirando o soco nas costelas, para voltar com um over hand com minha mão traseira mirando o queixo. Meu oponente recua inclinando-se para trás. Sigo com um segundo Pak Da invertendo minha base e sigo para Soh Gurk de esquerda fechando um combo; Como meu partner recuou mais dois passos e voltou para a guarda, deu-me tempo para respirar e recomeçar o jogo. Percebo alguns olhares de desdém de alguns dos caras do grupo do professor de defesa pessoal, provavelmente alunos com menos tempo de treino...Bem, qualquer coisa, temos um par de luvas extras bem aqui...
- ''Hey, saca ali os caras''. Digo para meu irmão de maneira bem discreta e volto para meu ultimo round. Não presto mais atenção nos caras ou no professor, mas observo que meu irmão observa o treino do pessoal com curiosidade. Ao terminar, vamos indo para casa conversando sobre o assunto dentro do carro. Enquanto meu irmão dirigia, menciono o quanto não acredito nesses métodos e menciono para ele os artigos de SiFu sobre a Falácia da Defesa Pessoal em seu blog ( http://brazilianwingchun.blogspot.com.br/2013/01/defesa-pessoal-falacia-da-pilantragem.html ) e um episódio relatado em seu facebook. Meu irmão foi segurança particular e trabalhou muito tempo armado, tendo experiencias em brigas de rua e stuações de conflito. Ele entrecorta a conversa e começa a me dizer;
- ''Dido, você não viu porque estava apanhando muito'' - diz ele fazendo piadas típicas de irmão mais novo - ''Mas o cara estava ensinando a atirar com uma ''.40 '' com o punho invertido e sem apoio. Nem me liguei nas merdas de movimentos que ele estava fazendo, que claramente é pura idiotice, mas até ele chegar onde chegou, se fosse na real, já estaria morto. Mas digamos que num caso hipotético, mesmo num mundo onde aquilo desse certo, se ele atira dessa forma, o coice que a arma vai dar rasgaria a mão dele. Se fosse uma arma de um outro calibre mais pesado por exemplo, sem o devido apoio e posicionamento, daria de um corte profundo, até mesmo um deslocamento de braço...isso claro num caso extremo. E vem cá...Desde quando ele acha que um civil inexperiente vai conseguir atirar em alguém da forma como ele estava propondo? E desde quando civil tem a mesma frieza de um militar? Desde quando ele acha que pode fazer tudo isso e ainda dizer que irá escapar ileso? Esse cara deve ser maluco ou assitir muito filme...Simulacro é ótimo pra fazer firula, mas na real....não é tão bonito tomar um tiro na fuça...ainda mais de graça. ''
O problema não é nem isso. O fato é que tudo isso cai naquilo que tanto SiFu fala que é mais ou menos isso; - ''Se você tem de reagir á uma situação é porque todas as suas estratégias preventivas já falharam.''
Sigo para casa e meu irmão segue o caminho dele. Não deixo de notar a lâmina posicionada estratégicamente perto da sua porta de motorista. Ele não faz menção nenhuma, mas percebeu que eu percebi. Ao nos desperdir,abraçamo-nos e ouço um; - ''Vou te dar uma de presente...''.
- ''Jóia!' Fico esperando. Semana que vem irei na casa de nossos pais, te vejo lá.'
Foi um bom final de dia, apesar de tudo...
Dido
Discípulo privativo do SiFu Marcos de Abreu
Dido
Private disciple of SiFu Marcos de Abreu