Apesar das inúmeras vertentes e das inúmeras famílias derivadas do grande Clã de Chung Si (宗師) Ip Man ( 葉問) serem totalmente diferentes entre sí, enquanto outras guardam semelhanças tanto nas questões técnicas e conceituais, este tipo de fenômeno na verdade é encarado com muita naturalidade pelos chineses. Ao contrário do que acontece no Brasil, onde estilos de mesmo nome, mas de ramificações e estruturas metódicas diferentes são consideradas antagonistas umas as outras, na china, nem sempre essas variações e diferentes entendimentos sobre a mesma arte são antagonistas - e isso tem um motivo.
A ideia de sistema para os chineses (Hai Tong - 系 統), mesmo sendo dentro de uma concepção aparentemente fechada, admite possibilidades de exploração e variação que extrapolam a ideia de uma possibilidade final restritiva. Em um Kuen Sut (拳術 - sistema marcial ), isto também pode ocorrer, pois a partir de uma ideia simples, você pode vir a explorar possibilidades e desdobramentos que são derivados desta ideia principal ou inicial, chegando a resultados que podem não ser totalmente enxergados num primeiro momento, ou ocultos em sua essência, mas que ad-virão futuramente, indo de um pólo á outro, transitando entre um extremo e outro.
(Chung Si Ip Man em demosntração no Muk Yan Jong)
Exemplificando dentro da visão e do âmbito das movimentações mais práticas; Tomemos como exemplo os movimentos contidos na forma Siu Lin Tau ( 小念頭 -Siu Nim Tao), a primeira e mais importante dentro do sistema. Nela, temos um movimento chamado Pak Sau; Este movimento, na forma, se caracteriza por ser um movimento de ''tapa'', partindo do centro do corpo, até a extensão natural dos ombros. O contexto a qual eu irei utilizar esse movimento, dentro de determinados seguimentos de combate, visando determinados tipos de situações, mediante um estudo prévio é o que irá me fazer explorar seus desdobramentos e variações; O resultado que advirá deste processo, fará com que esse movimento, inicialmente visto como um movimento simples, inserido simbolicamente na forma, poderá aparecer em diferentes maneiras de se executar e que poderão, estar esteticamente distantes deste movimento ''original'' visto na forma, e ainda mais, isto nos exemplifica a importância de se entender em que tipo de contexto originalmente a técnica aparece, porque ela aparece em determinado ''tempo'' da forma, o que vem antes e depois dela e quais são as suas variantes já inseridas dentro da forma, além da importância em entendermos como isso será extraído da forma para a maneira de execução em combate e em que situações ela NÃO será executada.
(Um praticante da linhagem Yuen Kay San executa movimentos contidos nas três formas do sistema Wing Chun; diferenças técnicas de outras linhagens?)
Tudo isso e muito mais será refletido e re-pensado dentro das perspectivas em diferentes situações e ambiências, do próprio praticante, porque a arte não exclui o ser humano. Afinal, ele é o veículo a qual a arte será expressa. Por isso mesmo, o mesmo tipo de kung fu, executado por pessoas diferentes, produzirão resultados diferentes. Formas e maneiras diferentes de expressões. Não teria sentido nenhum então destinar tanto tempo para apenas repetir padrões sem explorar a capacidade individual de uma pessoa, enquanto artista marcial.
Portanto, o sistema Wing Chun em realidade admite que não existem maneiras ''erradas'' ou ''certas'', mas sim diferentes maneiras apropriadas de se executar tarefas e elas, devem ser exploradas dentro das possibilidades apresentadas em um determinado contexto apresentado, atribuindo para sí a capacidade resiliente de adaptação e prontidão. È importante re-pensarmos, por exemplo, quando muitos dos ditos ''SiFu'', ou mesmo praticantes não formais do estilo, comentam vídeos de outras pessoas,livros ou entrevistas com frases do tipo ''Isto está errado'', ou ''Ele não sabe Wing Chun de verdade, porque eu aprendi o jeito certo!'', para que não tomemos isto como forma de conduta restritiva que irá, por fim, cercear a nossa capacidade de aprender mais e mais, já que, como diz SiFu; - ''O seu conhecimento ninguém é capaz de roubar!''.
Na maior parte das vezes, justamente quando alguém comenta algo do tipo na intenção de trazer pra sí a ideia de que supostamente sabe mais que o outro, na verdade, só mostra o quão imaturo é na arte e o quanto está distante de conhecer sobre a arte de forma aprofundada.
Estar aberto á possibilidades e entender as diferentes maneiras de se encarar uma perspectiva diferente da sua é uma base inicial para entender dois processos importantes; O primeiro , que não importa saber lidar com determinadas situações, no sentido de se ter respostas prontas para tudo, o que é utópico, principalmente se estas estiverem enraizadas na ideia de que ''se meu oponente faz isso, eu faço aquilo o outro'', ou como eu menciono aos meus alunos '' resposta padrão''. Mas de estarmos relaxados e prontos para enxergar aquilo que advirá e que não foi devidamente percebido, apre-endendo com o outro á partir do momento em que eu presto mais atenção nele do que apenas em meu ponto de vista . O segundo, entender o comportamento e as tendências que a demanda do tempo e da época em que estamos vivendo e de cada situação cotidiana se apresentam e como nós agimos e reagimos á elas. O que é mais comum hoje em dia do que justamente as pessoas criticarem outras, em detrimento de uma determinada opinião? O que é mais comum hoje em dia que um mesmo estilo apresentar tantas variantes e ao mesmo tempo em que se trata de um mesmo grande clã, serem tão dispares uns dos outros?O que é mais comum hoje em dia do que as pessoas viverem de maneira ''automática'', trabalhando de maneira automática, repetindo padrões o tempo todo?
È dentro dessa visão, onde cada um de nós, mesmo seguindo o seu caminho, proposto e baseado dentro de suas objetivações marciais e individuais, sem que, ainda assim, se possa excluir as demais outras possibilidades de se pensar e repensar sobre a sua arte e apre-ender para si, algo de valor, que este artigo se trata. O quão é difícil lidarmos com o diferente. Porque nós somos diferentes uns dos outros e vencer a tendência de exclusão da visão do outro é extremamente difícil, dentro de uma sociedade onde o mais importante é o centralizar do ''eu'' ou do ''meu''. È claro que a experiência pessoal individual é extremamente importante e dentro dos conceitos e pré-conceitos do estudante, irá forjar a sua visão do sistema. Mas toda a experiência adquirida deve estar embasada no sistema, e não em opiniões próprias! È preciso praticar diligentemente e entender os pontos chaves do sistema,como extrair a partir da estratégia intrínseca de cada movimentação, concebida através da conjunção dos elementos técnicos advindos das formas,para o comportamental,para o cotidiano e ir um pouco mais além do que meramente repetir técnicas; O desafio é forjá-las,refiná-las através da pratica e manifestá-las, transformá-las em parte do próprio praticante.
(Grão Mestre Moy Yat)
Nas artes marciais chinesas, vence não quem tem mais habilidade, ou quem é mais agressivo...mas sim quem tem maior capacidade de adaptação ao outro. Claro que em se tratando de combate, isto também conta junto com outros tantos elementos. Mas quanto mais você buscar entender sobre o seu adversário, seu jogo e souber se adaptar a isso, mais chances você terá de ser bem sucedido. Por isso mesmo, as técnicas do sistema Wing Chun MUDAM conforme o avanço do oponente. Talvez essa seja uma das possibilidades de interpretação do aforismo atribuído a GrãoMestre Moy Yat quando ele diz que;
- ''Kung fu sem sistema,não é bom kung fu.
Kung Fu que depende de um sistema tamém não é bom kung fu.''
Dido
Discípulo particular do SiFu Marcos de Abreu em PE
Particular disciple of SiFu Marcos de Abreu - PE
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