Durante o mês de Janeiro deste ano, esteve em Salvador para dar início ao seu treinamento com Sifu Marcos Abreu, o jovem Fernando Lempê. Figurinha conhecida dos debates nos fóruns de wing chun nacional, Fernando Lempê saiu do bairro de Vieralves em Manaus, para Salvador, Bahia enfrentar praticamente o mês todo de treinamento no wing chun de nossa família, tornando-se assim, o primeiro aluno de Sifu no estado de Manaus e por conseguinte,tornando-se meu Si Dai - irmão kung fu mais novo.
Acompanhem o relato sincero do Fernando Lempê e sua própria visão do treinamento do wing chun sob a supervisão de Sifu Marcos.
" - Este é um relato sobre minha viagem para treinamento de Wing
chun Kung Fu com o Sifu Marcos Abreu.
(06/01 – 20/01)
Estava bem ansioso pelo que iria aprender, se me sairia
bem... Preparei todo meu aparato uns dias antes da viagem, li bastante e me
esforcei para ficar calmo.
Após quase 7 horas de viagem (passagem comprada com
milhas...) finalmente chego a Salvador. Como se não bastasse, havia 3 esteiras
de malas e eu não sabia em qual delas viria... Depois de quase 20 minutos
consegui encontrar a infeliz.
Liguei para sifu dizendo que já estava no aeroporto e ele
disse que estava a caminho, fui para o lado de fora tentando mais uma vez
controlar a ansiedade.
Depois de 15 minutos, avistei o carro, coloquei a mala no
banco de trás e para minha surpresa sifu manda um:
- Eae Lempê, tudo tranquilo?!
Apertando minha mão,
no som do carro tocava Black Sabbath. Nesse momento pensei “O cara ouve Black
Sabbath e apertou minha mão”, toda aquela imagem chinesa estereotipada de
mestre intocável foi por água abaixo. Vi ali um cara simples, de carne e osso,
bem diferente do que eu achava e fiquei feliz por saber que nos daríamos muito
bem.
Saindo do aeroporto, fizemos um mini tour por alguns locais
de Salvador e conversamos sobre as diferenças entre as cidades, sobre nós
mesmos e também sobre Wing Chun como não poderia deixar de ser. Chegamos em
casa já meio tarde e conheci a Hanna, uma labradora preta. Logo que ela me viu
parou de latir e já recebeu meu afeto.
Hanna, a labradora.
Nos preparamos para dormir, fui acomodado nos meus aposentos,
tomei um banho e fui dormir ansioso pelo primeiro dia de treinamento.
Não tive uma boa noite de sono, acordei varias vezes e após bastante tempo sem
dormir fora de casa é normal que eu estranhe...
Bem cedo, sifu já me acordou, tomamos um café reforçado e
saímos para o aquecimento. O treinamento tinha sido iniciado oficialmente.
Após me mostrar alguns exercícios específicos para a pratica
de Wing Chun, partimos para a corrida. Seria meu primeiro teste, sifu queria
saber se eu era um “nerd” ou se tinha o mínimo de resistência, corremos por
algum tempo pela orla de Salvador com
essa vista por todo o percurso.
Após corrida e hidratação com água de côco chegou a hora de
treinar efetivamente. Sifu pediu que eu colocasse minhas luvas de boxe, colocou
as dele e me disse:
- ""Quero ver se consegue aplicar algo do que já treinou até hoje!""
E tocou minhas luvas me cumprimentando:
-" Boa sorte!"
-" Boa sorte!"
Engoli seco e sabia que a parada seria dura... Por mais que
eu tentasse atacar, meus golpes sempre ficavam na defesa de sifu, os movimentos
dele eram simples mas sempre no momento certo, quebrando meu ritmo o tempo
todo. Até o momento eu estava no ataque e aí as coisas se inverteram, passei a
ficar na defensiva e ainda sim levei um soco de meia força no rosto que até
agora não sei de onde veio.
Sifu encerrou por ali e me disse:
-'' Eu já esperava que fosse assim mas você precisava deste choque de realidade.''
-'' Eu já esperava que fosse assim mas você precisava deste choque de realidade.''
A partir daí começamos com a parte teórica do wing chun,
geração de energia, linha central, etc...
Fiquei bastante surpreso com quantidade de coisas que
simplesmente ignorava e a partir daquele momento passaram a fazer muito
sentido. A academia de sifu (mogun)
é um local humilde porém com a estrutura necessária para realizar bons
treinamentos, em resumo poderia dizer tem o que precisa de forma funcional e
sem muito luxo.
Respeito, gratidão e
tradição :
Em guarda, sempre equipado
para os treinos
Após o primeiro dia
de treino, fui dormir satisfeito, ansioso e feliz pelo que estava aprendendo.
Sifu, mesmo notando minha dificuldade em me desvencilhar do meu antigo modo de
lutar foi bastante paciente e compreensivo. Nesses momentos sempre me vinha a
cabeça meu sihing Dido e sua bem conhecida historia da filosofia marcial
chinesa “Esvazie sua xícara man”. Isso realmente me ajudou bastante e me
colocou no caminho certo.
O treinamento prosseguia e eu em meio a dificuldade natural,
aprendia no meu ritmo. Cada vez mais feliz por estar ali e lembrando do meu
esforço para estar. Um fator motivante é a técnica de sifu, sempre buscando
executar da melhor forma possível, exemplificando. Cansado ou não, o movimento na técnica era
fiel a forma. Realmente surpreendente e nota-se
que entende do que faz.
Entre intervalos de
treino, quando possível tirávamos um tempo para relaxar de diversas maneiras e
como não podia deixar de ser um bom banho de mar se fazia bem revigorante.
Banho de mar
Neste mesmo dia da praia aconteceram alguns fatos que
tornariam minha escolha de sifu Marcos como meu mestre ainda mais acertada.
Estávamos voltando pela calçada e falando sobre o almoço de logo mais, de
repente vejo sifu correr em disparada em direção a avenida e ajudar um jovem
que empurrava seu carro com dificuldade, no mesmo instante corri para ajudar também.
Sifu ainda parou uma via para que o jovem conseguisse atravessar o carro.
Percebi que ser sifu não é apenas ter concluído o sistema,
um sifu deve mostrar o verdadeiro caminho marcial, caridade, humildade, bondade
e acima de tudo honestidade.
Os treinos seguiam intensamente pela manhã, tarde e noite,
eu estava bastante satisfeito com a lógica da arte, tanto na teoria quanto na
prática. A geração de força é simples e coerente, as técnicas se encaixam e
combinam levando a movimentos precisos. Em mais um dia de lazer, conheci a
esposa de sifu e sua filha mais nova e visitamos um shopping de Salvador.
Sifu Marcos me lembra Bruce Lee em alguns aspectos, tem verdadeira
obsessão por treinar e são raros os momentos em que não está falando em Wing
Chun seja direta ou indiretamente. Em certos momentos ele parece ser uma pessoa
com dupla personalidade, dentro do mogun na hora da aula, é uma pessoa séria,
rígida e bem focada, enquanto que fora dela é brincalhão e extrovertido. O
passeio pelo shopping foi de grande aprendizado para mim, enquanto a esposa
olhava as lojas e fazia as compras, conversávamos sobre vários assuntos
relativos ao treino e Wing Chun em geral.
Certo momento quando esperávamos o elevador para descer com
o carrinho de bebe, sifu explanou um pouco sobre chutes inclusive demonstrando
os movimentos, pé pra lá e pra cá. Foi uma situação engraçada pois fiquei
imaginando o que as pessoas que passavam por nós deviam estar pensando.
“Esses caras são
doidos?!”
Foram vários momentos deste tipo onde até fora do mogun eu
estava vivendo um pouco da arte.
Houve um momento em que eu estava com uma grande dificuldade
em pegar algumas movimentações e técnicas, técnicas essas que eram base para
prosseguir no treinamento, mesmo me esforçando as vezes não saia da forma que
sifu esperava. Fiquei bem chateado comigo mesmo por ver meu esforço não gerar
evolução e confesso que pensei em desistir... estava triste e frustrado. A
noite, depois do fim do treinamento tivemos uma boa conversa e foi uma injeção de ânimo para mim. Ouvi o que
precisava ouvir e foi o suficiente para que eu novamente focasse em me superar
e aprender. Novamente lembrei do meu sihing Dido e contei com a ajuda dos
outros alunos de sifu.
No final de mais um treino da manhã sifu me levou a um
restaurante chinês muito agradável pois sempre tive vontade de saborear uma
comida realmente chinesa, diferente dos industrializados que conhecia. Almoçamos
muito bem e saí satisfeito por ter feito esta refeição.
Sifu pega uma mosca no seu momento mestre “Miagui”
Não acreditou mesmo que ele pegou uma mosca com o Hashi?!
Acho que era uma vagem ou algo parecido.
Meu momento de incorporar alguém foi em relação ao mogun e a
limpeza, todos os dias eu limpava por minha conta todo o local de treino para
não perder tempo fazendo isso pela manhã. Me senti literalmente como o Wong Shun Leung.
Nesta altura eu já estava familiarizado com as técnicas
básicas e comecei a participar melhor dos treinos junto com os alunos mais
antigos de sifu, eu executava minhas técnicas e os ajudava a executar as deles,
tentando fazer meus ataques com realismo e força. Neste momento é fácil
perceber o quanto se faz necessário o uso de proteção para treinar o wing chun
de Duncan Leung... Quanto mais forte eu batia, mais me machucava e era obrigado
a reduzir a potencia dos golpes. Ao final de alguns dias, sentia dores nos
tendões, resultado do impacto contra as defesas firmes dos outros alunos.
Treinar forte é cansativo e doloroso mas quem disse que seria fácil?
Ajudando os
companheiros de treino a se equiparem
Dentre outros momentos em que pude aprender mais com sifu,
mais um merece destaque. Estávamos fazendo nosso aquecimento e praticando
alguns exercícios numa pequena praça quando um taxi para próximo a nós e saindo
do um hotel aparecem 2 moças, notavelmente gringas. Elas começam então a tentar
se comunicar com o taxista que não as entendia muito bem. Perguntavam sobre
algum lugar e ele não sabia como levá-las ate lá. Sifu de repente já atravessa
a rua falando inglês e começa a se
apresentar paras as moças. Ele pergunta se pode ajudar em algo, sabendo que
também não conhecia o local em questão, sifu deu um pique de uns 300 metros e
saiu perguntando as pessoas que passavam até conseguir a informação com alguns
taxistas de passagem. Ele volta novamente correndo e explica ao taxista onde é
o local.
Pensei comigo, sifu ajudou as gringas (não eram bonitas)
simplesmente pelo fato de ser útil. É algo que tento continuar fazendo na minha
vida, ajudar sem olhar quem.
No fim destes dias de treinamento já tenho uma visão geral
do primeiro nível, Sil Lin Tao, básico de movimentação, algumas técnicas e
entendo como gerar força estruturalmente.
Meu treinamento chega ao fim e neste momento estou pronto
para começar... praticar exaustivamente
até que as reações técnicas sejam parte de mim e do meu reflexo natural.
Como disse sifu, de nada valem todos aqueles movimentos,
treinados e repetidos, se não conseguir aplicá-los em combate livre, é um
conhecimento preso e inútil. Fechamos o
treinamento com um yakisoba feito por nós com ajuda do irmão de sifu. Segundo
ele ficou bem parecido com o que viu na china em 2009.
Yakisoba de
encerramento
Encerro aqui esse depoimento, espero ter me expressado bem e
passado uma boa idéia do treinamento que fiz em Salvador.
Aproveito para formalizar que Marcos Abreu é meu sifu e agradeço por cada minuto de
atenção e treinamento dedicado. ''
Contato na internet:
http://appliedwingchunsalvador.blogspot.com.br/
Fernando Lempê desde o começo de seu treinamento me surpreendeu pela sua garra e motivação. Realmente,poucas pessoas tem culhões o suficiente para saírem de sua zona de conforto e sair de tão longe em busca de um conhecimento ancestral com um autêntico mestre como é sifu. Como seu irmão mais velho, mesmo estando em outro estado, fiz o máximo que pude para auxiliá-lo em seu treinamento (como a postagem sobre 3 ataques), e deixo aqui público minha admiração por sua pessoa. È um cara realmente especial.
Até mais.
Dido.
Obrigado pelas palavras sihing, grande abraço!
ResponderExcluirGostei do depoimento, e gostei ainda mais de conhecer o bravo e disciplinado Lempê! Até o próximo treino!
ResponderExcluirExcelente post.... o Fernando é um exemplo a ser seguido.
ResponderExcluirExcelente experiência Fernando! Não há nada mais bonito que alguem corajoso, humilde e esforçado para a busca do conhecimento ancestral. Parabéns.
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